A exposição “Objetos Concêntricos”, que celebra 10 anos de peças autorais assinadas pelo arquiteto Leandro Garcia, com curadoria de Bruno Simões. Ao revisitar a primeira década de criação autoral de Leandro, uma forma geométrica se revelou como eixo de sua trajetória — uma forma que se transforma em diferentes escalas e materiais, do vidro ao metal, da estrutura à escultura.
Em “Objetos Concêntricos”, o círculo é ponto de partida e de retorno, forma e função, matéria e pensamento. Uma experiência não linear sobre o design preciso e inquieto de Leandro.
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No início da década de 60, o designer e pensador italiano Bruno Munari publicou uma série de textos analisando o significado das formas geométricas básicas – o quadrado, o triângulo e o círculo. Uma espécie de glossário visual que misturava referências culturais e matemáticas para investigar sentidos e simbologias das formas, muito influenciado pelos estudos da teoria psicológica alemã da Gestalt e sua abordagem dentro da Bauhaus. Mas à parte dos princípios modernistas que ainda nos guiam, compreender as formas ao nosso redor vai muito além de ordenar elementos. Está ligado ao nosso senso de pertencimento, nossa conexão com o natural e o espiritual, ilustra nossa humanidade. Reside aí o fascínio arquitetônico dessa compreensão – o formalismo é uma forma de entendermos mais profundamente nós mesmos e nosso habitat; encontrar maneiras de aprimorar; de evoluir.
No ato criativo, esse controle plástico passa por uma longa e complexa curva de aprendizagem entre expressão e técnica para a construção de uma linguagem própria que, a partir da interpretação de elementos básicos, forma uma identidade. Algo que às vezes só se é possível decifrar com a passagem do tempo e a sobreposição de um corpo de trabalho para justamente revelar pontos de convergência entre ideias e inquietudes que persistem – obsessões. Cabe essa reflexão porque, ao me debruçar sobre a primeira década de peças autorais criadas pelo arquiteto Leandro Garcia, encontrei uma forma geométrica evidente. Uma forma que não é simplesmente uma assinatura, um traço, um vício, mas o elemento constante nessa jornada de autoconhecimento e a busca pelo puro, o essencial. O círculo se revelou aos poucos, até apontar um diálogo que se repete em diferentes escalas, tipologias e materiais, como a madeira, o vidro e o metal.
Entre os delicados anéis do Banco Linhas (2017) até a presença marcante na Coleção Disco (2025), a forma circular se mantém, mas de modo algum estática – há momentos em que assume o protagonismo escultórico, como nos espessos cilindros das linhas Toco e Solitário, enquanto em outros passa à escala do adorno, como os castiçais Esfera.
Nesse estudo, o que é mais intrigante é o seu uso não apenas como recurso estético, mas de fato uma ferramenta construtiva. Esse entendimento de um sistema fica evidente na Coleção Aro, em que espelhos redondos são circunscritos por anéis de madeira que, por sua vez, estão interconectados por pequenas esferas de latão – o círculo se torna ao mesmo tempo forma, função e expressão.
Além disso, as coleções e suas soluções são revisitadas de maneira cíclica, apontando que a investigação do tema segue adiante muito depois do lançamento do produto. A própria linha de espelhos ganha derivações anos depois, como bandejas com pegadores que, ao fim, suprimem os excessos e se tornam penduradores.
Uma lógica que não propaga o ciclo vicioso de lançamentos imposto pelo mercado, mas respeita uma visão criativa bastante própria. Foi justamente pensando a respeito desse processo contínuo e como defini-lo dentro de uma exposição que pretende cumprir estes primeiros 10 anos que me veio enfim outra definição da geometria: dois ou mais objetos são concêntricos quando compartilham o mesmo centro ou eixo. Círculos, polígonos e esferas podem ser concêntricos uns com os outros, assim como cilindros. Um exemplo: as ondulações formadas pela queda de um objeto pequeno na água, naturalmente formando um sistema de círculos concêntricos que se expandem.
A exposição Objetos Concêntricos é uma experiência formal e não linear da ideia de inquietude por trás do design preciso de Leandro Garcia. Meu olhar pessoal sobre um conjunto de peças que de algum modo revela aquilo que o move e inspira; que o conecta ao seu tempo e forma a base de sua lógica.
por Bruno Simões